Más democracia

Mais democracia e… menos eleições?

Com o título Más democracia y… ¿menos elecciones? (Mais democracia e… menos eleições?), Víctor Bermúdez, do blogue Filosofía para cavernícolas,  publicou em El Periódico, jornal espanhol de que é colaborador, um interessante artigo de opinião onde, após o diagnóstico dos males das democracias representativas atuais, propõe um modelo que as pode renovar. Publica-se a seguir uma tradução (do Baú — de António Gomes):

Mais democracia e... menos eleições?

É difícil não adotar uma posição cínica diante do espetáculo repetitivo das eleições. Os discursos teatrais – ou monólogos humorísticos – dos comícios, os falsos debates televisivos (onde tudo – temas, posições, réplicas… – está previsto e só se espera com interesse ou o erro ou o lapso), as declarações retóricas carentes de qualquer conteúdo, as veementes tertúlias em torno de ninharias e escândalos… fazem qualquer um suspeitar que a verdadeira política, se é que a há, ocorre, secretamente, para além daquele interminável show mediático frente ao qual tratam de nos manter, como crianças, em estado de excitação permanente.

O que é mais grave, no entanto, é que essa atitude cínica se estende a todo o sistema. Porque a democracia não só sofre uma perda de prestígio no que respeita à sua representação simbólica (submetida aos códigos e ritmos dos meios e redes sociais), mas também uma profunda crise de legitimidade e eficácia, ligada, entre outras coisas, ao descrédito dos partidos – as instituições que, claramente, menos confiança geram nos cidadãos.

Sobram razões para supor uma relação entre a falta de eficiência do sistema e uns partidos que, em permanente campanha eleitoral ou em eternas negociações com outras forças (ou com eles próprios) para alcançar, preservar ou recuperar o poder, mal têm margem de manobra para se ocuparem com os problemas da cidadania. Por outro lado, a perceção de tais partidos como castas acomodadas e subordinadas aos grupos de influência que, em troca de favores, financiam a sua incessante guerra mediático-eleitoral, está, inegavelmente, na raiz da crise de legitimidade das nossas democracias.

Por tudo isto, é encorajador recordar que o sistema eleitoral de partidos é apenas uma forma possível – e melhorável – de democracia. De facto, se analisarmos um pouco o assunto, descobriremos que o sistema de partidos e eleições foi adotado, nos dois últimos séculos, como um freio ao poder popular, a partir da ideia aristocrática de assegurar o governo a uma elite de “cidadãos ilustres” entre os quais o povo poderia eleger (mas apenas isso) os seus representantes. Mas é esta fórmula – a democracia representativa partidista e eleitoral – ainda a melhor das nossas opções?

Antes de mais, e como mostra a história – de Hitler a Putin ou Erdogan –, as eleições nem sempre garantem a qualidade democrática do resultado. Ainda menos quando, a fim de se opor ao elitismo do sistema partidário, se aposta em lideranças populistas ou em fórmulas de “democracia direta” (já se sabe aonde conduzem o populismo e o antiparlamentarismo, seja de que cariz forem). Mas a solução também não está em governos tecnocráticos, carentes de legitimidade democrática e de idoneidade para resolver problemas genuinamente políticos. Então… em que ficamos?

Mais democracia… deliberativa

Inspirados em velhos pais da democracia moderna (Montesquieu, Rousseau, Tocqueville…), uma série de filósofos e politólogos atuais (Barber, Fishkin, Goodwin, Van Reybrouck…) vem defendendo há anos modelos de democracia deliberativa em que, além de uma câmara de políticos eleitos, se instituam outras de cidadãos escolhidos aleatoriamente. No fim de contas, se todos somos igualmente bons para votar ou opinar (nas decisivas sondagens de opinião), ou para ser jurados de tribunais de júri, por que não também para legislar e governar? Uma câmara de cidadãos voluntários escolhidos por sorteio e em constante rotação tem além disso outras vantagens: é certamente mais representativa, não está condicionada por guerras mediático-eleitorais e negociações partidistas, e os seus membros não precisam de se corromper para financiar a sua carreira política, podendo dar-se ao luxo de se dedicar, exclusivamente, a servir o interesse geral…

Mas, ainda mais do que tudo o que fica dito, uma câmara legislativa aleatória rompe com a distinção entre governantes e governados, tornando realidade aquilo que Aristóteles já considerava a pedra angular de um sistema político: a participação na vida política real de todos os cidadãos.

Não é caso para se pensar nisto?

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||| O texto original está arquivado n’O meu Baú. Aqui.

||| Em Portugal, os tribunais de júri são pouco comuns, mas existem. Para saber mais: regime de júri em processo penal.

||| O meu Baú já publicou alguns textos de opinião sobre este assunto. Por exemplo, Tirania eletiva.

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