Tomás Magalhães Carneiro: 2020, máscaras e marcadores

Convidei alguns dos meus amigos para nos revelarem os seus top de 2020: livros, filmes, discos, notícias… o que entendessem que mereceria destaque Depois de Aníbal Sousa, Tomás Magalhães Carneiro faz a síntese do seu ano de 2020.


Em outras ocasiões, de Tomás Magalhães Carneiro já ficámos a saber as suas preferências (musicais, filosóficas,…), bem como alguns dados biográficos, aqui.


Sou professor, mas também sou pai de um menino e uma menina em idade escolar. Enquanto professor vejo coisas nas escolas que os pais não veem (alguns professores que levantam demasiado a voz aos seus alunos, por exemplo), mas também não vejo coisas que os pais julgam ver (um lobby pela ideologia de género escondida em cada conteúdo escolar, por exemplo).

Máscaras e Marcadores: distanciamento e proximidade

Tomás Magalhães Carneiro: máscaras e marcadores

Em 2020 entre as coisas que mais estiveram presentes nas escolas foram Máscaras e Marcadores. Estes são dois objetos contraditórios numa sala de aula mas que a pandemia fez com que tivessem de coabitar. Cada um serve uma função distinta: afastam e aproximam. Enquanto as máscaras afastam alunos e professores, os marcadores aproximam-nos, chamam-nos para junto de nós através dos conhecimentos, ideias, erros, hesitações e disparates que desenhamos no quadro branco.

Estes objetos servem para homenagear o esforço de todos os professores, educadores e auxiliares de educação que têm sentido a dificuldade de educar sem tocar, sem mexer, sem partilhar, sem abraçar os seus alunos.

As Máscaras representam todos os obstáculos que têm sido colocados à frente dos professores. Os Marcadores representam o engenho, a criatividade e a capacidade de organização de todo o corpo docente de milhares de escolas, todo um trabalho escondido atrás dos portões (por isso invisível para a maior parte das pessoas mas bem presente para todos nós que lá estamos todos os dias). É esse trabalho escondido de milhares de profissionais que, apesar de tudo, permitirá aos nossos filhos passar por esta pandemia com bem menos danos emocionais e cognitivos que aqueles que poderiam ter. O trabalho (quase) invisível destes professores e auxiliares nunca será devidamente reconhecido ou agradecido.

O cumprimento escrupuloso das regras e medidas de higiene (medições de temperatura, uso de máscara horas a fio, desinfeção das mãos, percursos nos corredores, acrílicos nas carteiras, recreios separados, etc.) tudo isto promoveu o afastamento entre todos dentro das escolas. Mas eu bem me apercebia de alguns abraços subtis, alguns fechares de olhos a regras que não estavam a ser cumpridas, momentos em que as crianças podiam voltar a ser crianças e tocar-se, empurrar-se e brincar.

Fica aqui o meu agradecimento enquanto pai a esses fechares de olhos seletivos. Muito, muito obrigado pela humanidade que ainda resiste nas nossas escolas.

O meu carro – manutenção necessária

Carro de Tomás Magalhães Carneiro

O meu projeto de Filosofia com Crianças, “Filósofos a Brincar”, leva-me, este ano, a 31 turmas do 1º Ciclo (algumas com aulas semanais, outras com aulas quinzenais).

Ter um carro seria um luxo se não fosse ele que me permitisse fazer mais de 800km todas as semanas para visitar meninos e meninas que estão a contactar pela primeira vez com as delícias do pensamento filosófico. Ir todas as semanas do Porto a Viseu, a Lustosa, a Santo Estevão, a Boim, a Vila Nova de Gaia, a Campo, a Sousela, a Nespereira, a Caíde de Rei, a Meinedo, a Silvares, a Lodares, a Casais, a Aveleda, a Covas, a Torno, a Alentém, a Macieira, a Nogueira e a Ordem espremer filosofia com meninos e meninas tão diferentes e tão sedentos de pensar e brincar é algo de que me orgulho muito.

Obrigado ao meu carrito, espero que aguente mais uns quilómetros sem a manutenção necessária.

Aires Almeida – o nosso professor

O Aires é aquele professor que queríamos ter tido no secundário e queremos manter pela vida fora. Tem sido um prazer conversar com ele de forma amena e inteligente na Academia do Diálogo onde, uma vez por mês, nos apresenta, desenvolve e responde a perguntas e a provocações que lhe colocamos, sedentos de mais do seu conhecimento e sabedoria.

O Aires tem continuando de forma impecável o trabalho que o Desidério Murcho começou na Gradiva e tem impresso o seu cunho pessoal à coleção “Filosofia Aberta” com títulos como A Cigarra Filosófica de Bernard Suits, ou uma tradução do russo feita por uma aluna sua do O que é a Arte? de Lev Tolstoi.

Se há coleção que terá a capacidade de influenciar as próximas gerações de estudantes e que tem efetivamente chamado mais pessoas para a filosofia, para o pensamento racional e para o diálogo de ideias, é a “Filosofia Aberta” da Gradiva. Bem hajam, Aires e Desidério, por este vosso trabalho!

Vinho e Fogo – fugir e ficar

O vinho é evasão e o fogo é união. Cada um por si representam dois movimentos antagónicos que só a contragosto se toleram. Fugir e Ficar. Já os dois juntos permitem-nos fugir com quem ficamos. Não vivemos em quintas nem em solares, por isso a pandemia obrigou-nos a ficar mais juntos. Necessariamente juntos. O vinho e a leitura ajudam-nos a planar um pouco acima dos berros e das zangas familiares próprios de momentos tensos de proximidade forçada. O fogo acalma-nos e junta-nos de novo. Esse movimento vital entre o desejo de ir e o desejo de ficar nunca esteve tão confinado aos poucos metros quadrados da nossa sala de estar. Bem hajam, o vinho e o fogo, duas forças da natureza que a nossa civilização tão bem soube domar!


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