Boneco de palha

Tenho um amigo pugilista que detesta a sogra. Detesta-a tanto que pintou a cara dela nos sacos que tem de “bater” durante os treinos: dá-lhe murros, diz ele, até a partir toda.

Agressividade à parte, este meu amigo é o exemplo acabado da falácia do boneco/homem de palha

[já aqui expliquei o que é uma falácia; agora, interessa-me apenas o boneco de palha].

A origem da expressão boneco de palha compreende-se facilmente também a partir do exemplo do meu amigo pugilista: não conseguindo “(a)bater” a sogra, “(a)bate” um… boneco. É o que fazem algumas pessoas quando atacam os argumentos de outras: criam um “boneco de palha” para lhe malhar; dito de outro modo, “inventam” uma posição fácil de refutar, que atribuem ao outro

(mas que o outro não defendeu, embora possa “confundir-se” com o que o outro defendeu).

O que se refuta, portanto, não é o argumento real do oponente, mas o argumento fictício: o argumento inicial é modificado, ou mesmo transformado em algo indefensável, para criar a ilusão de que foi rebatido. Vamos exemplificar?

O que está em discussão, normalmente, quando se discute o aborto, é saber quando é que o feto se torna uma pessoa

(uma vez que só uma pessoa pode ser assassinada).

Esta é uma questão complexa, que muitas vezes é posta de lado criando um boneco de palha: o feto é um ser vivo, argumenta-se por vezes, contra o aborto; e este é um argumento fácil de “provar”, e “prova-se” com as inúmeras fotos que existem por aí em sítios da web dos movimentos pró-vida. Boneco de palha!: o verdadeiro “inimigo” é outro, são os argumentos sobre a “pessoalidade” do feto…

Vários exemplos mostram que esta falácia é uma variação da falácia ad hominem.

Situemo-nos na Assembleia da República portuguesa: os argumentos do Partido Comunista a favor de determinadas propostas sobre a situação do país são “combatidos” recorrendo… à experiência soviética. Boneco de palha!

Há quem combata os argumentos da Igreja Católica contra o aborto com argumentos do género “pois é!… se eles tivessem filhos que tivessem de alimentar, a sua posição seria outra!…“. Ganhou a discussão? Hum… boneco de palha!

Há uns tempos, manifestei-me contra a realização de andebol de praia em Viseu, com jogos em sítios, onde não há praia, de uma cidade que não tem praia. Quase fui… fuzilado. E a principal G-3 argumentativa foi que era contra o desporto e contra o desenvolvimento do interior, que sempre foi desprezado; malharam-me em posições que eu nunca defendi… Boneco de palha!

Um dia destes, um secretário de estado anunciou cortes na segurança social. A oposição manifestou-se contra. E o senhor secretário argumentou que a oposição não queria justiça, porque os referidos cortes teriam como consequência… maior justiça social. É o argumento atualmente mais usado para justificar “medidas impopulares”… com “justificações populares”, que atiram ao lado. Bonecos de palha!

» Esta é uma das falácias que, segundo as orientações do Ministério da Educação para o exame final optativo de Filosofia, devem ser abordadas. Outros textos sobre falácias:

» Convido o leitor a ouver as discussões televisivas sobre futebol ou política ou… estava tentado a dizer qualquer uma. 😉 Ou os debates parlamentares. E divirta-se a encontrar os bonecos de palha que estão constantemente a saltar da boca dos intervenientes.

» Um artigo do New York Times descreve muito bem a técnica do boneco de palha: “O truque consiste nisto: leva o argumento do teu oponente até um extremo ridículo — e depois ataca os extremistas”. E acrescenta um método eficaz para o detetar: quase sempre se antepõem frases introdutórias como “Há quem diga que…” ou “Alguns afirmam…”

» A dificuldade que pode haver em desmontar um boneco de palha 😉 é a semelhança entre o argumento defendido pelo oponente e o argumento “inventado”. É esta semelhança que está presente na “magia negra”, que trabalha com “bonecos de palha” físicos: é o que acontece, por exemplo, quando se espeta a fotografia de uma pessoa com alfinetes, acreditando que se está a fazer mal à própria pessoa. Boneco de palha!…

 

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